quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Repúdio ao comunismo

A maré legislativa repressiva do Estado Novo culminou numa lei de 1936 que mandava os funcionários públicos assinar uma declaração de repúdio ao Comunismo, medida que abrangia também os professores primários. Estes iriam ser objecto de interferências na sua vida pessoal e profissional. Foram desta época as mais duras imposições do regime, na área do ensino e educação, como sejam a criação da Mocidade Portuguesa, o famigerado exame da 3ª classe e o encerramento das Escolas do Magistério.
Outra determinação oficial de Novembro de 1936 proibia as professoras primárias de casar sem autorização do Ministro da Educação. Segundo Salvado Sampaio, 1976:41 (vol. II), “…nega-se às professoras a livre escolha do cônjuge. (…). A negação da liberdade da escolha do cônjuge não nos parece conciliável com a usufruição da maturidade necessária ao exercício da docência. A aplicação deste preceito implica situações dolorosas.”
O mesmo decreto estabelece ainda que “Será demitido o funcionário pertencente aos serviços do ensino primário que dê escândalo público permanente ou assuma atitude contrária à ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933”.
Salazar advertira: “Eu tenho os olhos abertos e pulso firme”. O Ministro da Educação afirma em 1937: “De ora em diante não haverá nas escolas portuguesas nem um professor nem um aluno comunista.”
A Escola Portuguesa - semanário oficial do Estado Novo – Direcção Geral do Ensino Primário (DGEP), criada em Outubro de 1934, começou a publicar semanalmente lições-modelo e instruções destinadas aos professores. Esta revista era distribuída a todas as escolas e caracterizava-se pelo combate à escola neutra do ponto de vista religioso e ideológico. “Acaso tu, leitor, és daqueles que contemplam a renovação da Escola como obra dos teus anseios? (…) Julgas-te cooperador dos teus superiores, dos teus dirigentes, na Revolução Nacional? Nesse caso não serás do reviralho. Mas (…) se te seduzem outras vozes que não sejam as daqueles a quem está confiado o dever de te guiarem; (…) se desejarias poder ensinar o que quisesses e como quisesses; (…) nesse caso, dir-te-ei que não és dos nossos, ainda mesmo que fales do 28 de Maio ou cantes hossanas a Salazar”.
As autoridades escolares reprovavam “a exibição escandalosa de pinturas faciais” às professoras primárias. Estas viram os seus dois meses de baixa por maternidade reduzidos para 23 dias (8 antes e 15 depois do parto). Assegurar o bem-estar social não pertencia às funções do Estado, segundo a ortodoxia salazarista.
O controlo sobre o que vestem, o que pensam, com quem convivem os professores é o culminar de uma interferência profunda nos conteúdos ideológicos do ensino primário. Contraditórias eram as chamadas de atenção do Ministro da Educação para aspectos tão pessoais quanto a compostura e trajes das professoras: “Não são autorizadas pinturas algumas às professoras, designadamente às que, pelo convívio com as futuras professoras, devem servir-lhes de modelo” .
A ideologia substitui radicalmente a pedagogia.
A vida dos professores primários tornou-se cada vez mais difícil. Os ordenados eram baixos, os benefícios de natureza social praticamente não existiam. Os deveres sim. Os professores primários foram compelidos por lei a desempenhar graciosamente duas funções: as de juiz de paz e de secretário da junta de Freguesia.
O Estado Novo repetidamente avisava os professores de que não lhes cabia regenerar o Mundo, mas apenas manter a disciplina na Escola, ensinar a boa moral e ajudar o Estado Novo.
Artigo da autoria do director deste blogue

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Relatório de acção em Belém [Mitande] - Mandimba

“24 JAN. 1974 – Saiu desta C. Caç., pelas 4 horas, um grupo de combate em direcção ao Destacamento de Belém [Mitande], juntando-se ao outro grupo de combate. Seguimos de viatura até ao aldeamento Juma onde nos esperava um grupo de guardas rurais e população armada. Seguimos em direcção ao rio Lugenda onde chegámos pela 13 horas. Depois das precauções necessárias, uma parte da força militar atravessou a vau o dito rio. Seguidamente, procedeu-se à busca de quaisquer vestígios ou material deixado pelo inimigo, pois um grupo da Frelimo tinha acampado nesse local, no dia anterior. Depois de um militar ter encontrado um pente de munições de Kalashnikov e uma granada de mão defensiva, o soldado Fernandes accionou uma armadilha, tendo-lhe causado ferimentos provocados por estilhaços, atingindo ainda o alferes Salvador [Dest. Belém] e dois guardas rurais. Imediatamente e enquanto se prestavam os primeiros socorros, entramos em contacto, via rádio, com a C. Caç. 4242, que logo pediu a evacuação para os feridos. Seguidamente improvisaram-se duas macas com “ponches” e ramos de árvores, a fim de transportar os feridos para a outra margem. Os guardas rurais não necessitaram de macas, pois não apresentavam ferimentos nas pernas. Esperámos pelo héli enquanto comunicávamos com a C. Caç. 4242. Decorreram 2 horas até que o héli apareceu subindo ao longo do rio, mas a uma grande distância. Antes de chegar ao local que sinalizáramos para a sua descida, o héli abandonou o curso do rio dirigindo-se, provavelmente para Vila Cabral [Lichinga], abortando a evacuação. Não se notou qualquer tentativa da parte da tripulação do héli para nos detectar. O facto foi comunicado à C. Caç. 4242. Por ordem do comandante desta, permanecemos mais 1 hora, pois o mesmo iria tentar entrar novamente em contacto com o héli, de modo a poder evacuar os feridos. Cerca das 17 horas pedi autorização para podermos regressar à picada, pois adivinhava-se que o héli não voltasse nesse dia e os feridos precisavam de socorros.
Imediatamente nos foi concedida autorização e informaram-nos que uma viatura Berliet sairia do quartel em Mandimba com o médico. Começámos, então, o caminho do regresso, transportando o alferes Salvador e o soldado Fernandes, às costas, chegando à picada por volta das 22 horas, após uma caminhada fatigante. Iniciámos a coluna para Belém onde nos esperava um táxi aéreo, previamente fretado. A evacuação processou-se por volta das 1 hora da madrugada seguinte, regressando nós a Mandimba pelas 3,30 horas."
In história da Companhia de Caçadores 4242/72

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Guerra subterrânea - Minas


As Minas foram as mais temidas de todas as armas que os nossos militares enfrentaram nos três teatros de operações. Utilizadas de forma isolada, ou conjugadas com emboscadas, limitaram fortemente a mobilidade das forças portuguesas em acções tácticas e logísticas, apeadas ou em viatura, sendo também responsáveis por atrasos nos reabastecimentos, por destruições em veículos e, acima de tudo, por elevada percentagem de baixas.
Embora a estatística não esteja feita, amostragens dos três teatros de operações permitem considerar que, no mínimo, 50 por cento das baixas portuguesas (mortos e feridos) foram provocadas por engenhos explosivos. Um tipo de guerra altamente compensador para os movimentos de libertação, cujos objectivos eram apresentados do seguinte modo, nos apontamentos de um curso frequentado na Argélia por quadros do PAIGC: «Realiza-se a guerra de destruição e de minas para fazer obstáculo atrás dos inimigos, para aniquilar as suas armas, modernas, ameaçá-los e paralisá-los.»
Contudo a utilização das minas na guerra não foi exclusivo dos guerrilheiros, pois as forças portuguesas também fizeram largo emprego delas e de outros engenhos explosivos, usando-os na defesa das suas instalações, para proteger as tropas em operações e para provocar baixas, mas, ao contrário dos guerrilheiros, recorreram maioritariamente às minas anti-pessoais e às armadilhas com granada explosiva de fragmentação e rebentamento instantâneo, detonada através de arame de tropeçar. Por parte dos movimentos de libertação, além das minas anti-carros foram também utilizados «fornilhos», quase sempre constituídos por granadas de mão, de morteiro e de artilharia, não rebentadas, e bombas de avião conjugadas com explosivos e accionadas por mecanismo de explosão - detonador eléctrico ou pirotécnico. Os «tomilhos» eram colocados nos itinerários e conjugavam o efeito das minas anti-carros com as minas anti-pessoais.
(…)
Em Moçambique, o aparecimento de engenhos explosivos ocorreu em 29 de Maio de 1965, em Nova Coimbra, no Niassa, e em 4 Julho, em Nancatari, Cabo Delgado, enquanto a primeira mina anti-pessoal
(A/P) surge em 14 de Junho, em Cobué (Niassa), e a primeira anti-carro (AlC) em 10 de Outubro, em Sagal (Cabo Delgado), na estrada Mueda-Mocímboa da Praia.
Ao longo dos anos da guerra, a utilização de minas por parte dos guerrilheiros nos três teatros de operações teve a máxima expressão em Moçambique. Primeiro nas zonas do Niassa e de Cabo Delgado/Mueda e, posteriormente, na de Tete/Cahora Bassa. Moçambique reunia as condições ideais para a utilização deste tipo de arma por parte da Frelimo, pois as vias de comunicação indispensáveis às forças portuguesas eram extensas e más, não existindo nas zonas de guerra estradas alcatroadas.
Por seu lado, os guerrilheiros dispunham da vantagem de as acções bélicas se desenrolarem relativamente próximo das suas bases logísticas, o que facilitava o transporte do grande volume de cargas que a guerra de minas exige. Não admira pois, que em Moçambique os principais itinerários de reabastecimento das forças portuguesas se tenham transformado em verdadeiros campos minados.
No início dos anos 70, o percurso de cerca de 200 quilómetros entre Mueda e Mocímboa da Praia, chegou a demorar 11 dias, quando habitualmente era percorrido entre quatro a seis horas, e num só quilómetro de estrada encontraram-se, frequentes vezes, mais de 70 minas!
No Niassa, nas estradas que irradiam de Vila Cabral para para Metangula, Nova Viseu ou Tenente Valadim, as minas, associadas à quase inexistência de vias, ao clima chuvoso e ao terreno ravinado, junto ao lago transformaram os movimentos necessários à sobrevivência das tropas e ao seu emprego em combate em operações de grande duração e desgaste, que esgotavam só por si as suas capacidades e lhes retiravam a iniciativa
É ainda em Moçambique que se regista o maior emprego de minas por parte das forças portuguesas. O general Kaulza de Arriaga, em carta ao ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, em 29 de Janeiro de 1973, solicitou o fornecimento de 150 000 minas anti-pessoais para Cahora Bassa e um milhão para interdição da fronteira norte, junto ao rio Rovuma.
Num ponto de situação feito ao comandante-chefe, em Vila Cabral, foi referido que na zona do Niassa, em 1972, os guerrilheiros haviam realizado 412 acções, das quais 223 foram colocação de engenhos explosivos (54 por cento do total). Destas, 78 foram accionados pelas forças portuguesas, que sofreram 43 mortos, 51 feridos graves e 151 feridos ligeiros(…)

http://www.guerracolonial.org


sábado, 17 de fevereiro de 2007

Lucas desapareceu

LUCAS DESAPARECEU

Setembro de 1970. António Borges está de partida, a sua guerra acaba hoje. Deixa a G3, que trata por namorada, as suas lágrimas e dois anos da sua juventude no Norte de Moçambique. Sorri. Não está triste por ir embora, mas sabe que no dia mais aguardado da comissão há algo que não leva consigo. Um amigo chamado LUCAS que ensinou a ser mecânico. “Gostava de encontrar esse homem”, garante, outra vez em Moçambique, mas a trinta anos de distância. Irrecuperáveis.
Em nome de uma amizade que não esquece, é dos primeiros a acordar numa pensão da beira da estrada na antiga VILA CABRAL. Em minutos está a caminho de MANDIMBA à procura do passado, horas depois regressa a Lichinga. E ao presente.
O cabelo branco tem um tom avermelhado, o cansaço vem à mostra no olhar. Traz as marcas do pó da picada e de um reencontro falhado. “Não o encontrei”, atira, apressado, antes de desaparecer pelo corredor estreito e escuro que conduz ao quarto.
Quem é LUCAS? “Um rapaz que ficava no quartel, em MANDIMBA, no NIASSA. As mulheres perguntavam-me se o LUCAS já sabia lidar com os automóveis. Eu dizia que sim, que ele ia ser um grande mecânico. Elas ficavam contentes…Ele queria ir connosco para a Metrópole…Mas não foi possível.” Alguém ainda sugeriu que viajasse escondido num caixote, só com uma abertura para a comida. “Não, ele ficou.”
António Borges, ao contrário, partiu em Setembro de 1970. O seu irmão chegou três anos depois ao mesmo país. “Já quase em 1973, veio o meu irmão, precisamente para o mesmo sítio e encontra-se com o LUCAS. Pelo nome ele veio buscar-me. O rapaz estava a cumprir o serviço militar português em NOVA FREIXO. O meu irmão também era mecânico e eles conheceram-se. “NOVA FREIXO, que hoje se chama Cuamba, continua a ser a cerca 150 quilómetros de MANDIMBA, na província do NIASSA. De Lucas, nem sinal. (…)

“Moçambique – O regresso dos soldados”
Ricardo Marques, jornalista do Correio da Manhã
Edições D. Quixote, 2005

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Comunicação de Miguel Simas

COMUNICAÇÃO DE MIGUEL SIMAS

27º. CONVÍVIO C.CAÇ. 4242 – MANDIMBA-NIASSA-MOÇAMBIQUE

Restaurante São Martinho – Ponte da Barca

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Caríssimo Costa – Ex-1º. Cabo e responsável pela Arrecadação da C.Caç. 4242,

Caros Companheiros de Armas,

Antes de mais as nossas desculpas, minhas e da minha companheira Ana, pela nossa ausência desse convívio que consideramos de muito salutar para continuar a sublimar a amizade iniciada há quase 40 anos.

Motivos profissionais impossibilitaram-me de marcar presença convosco. Consciente que não se poderá agradar a todos com a marcação de uma data dar-me-ia mais jeito se fosse realizado na primeira quinzena de Junho.

Cabo Costa felicito-te pela tua coragem ao assumires a responsabilidade pela organização deste evento que dá muito trabalho. Mas estou certo que o fazes com gosto e certamente obterás o justo reconhecimento dos nossos companheiros. Bem hajas por isso.

Na ante-véspera deste convívio tivemos uma grande alegria. Depois de longos anos desaparecida obtivemos o contato da Marília e da filha Mónica, já mãe de duas filhas, com quem falamos e, certamente, continuaremos a falar. Soubemos que irão estar aí presentes. Não se esqueçam que elas também foram “guerrilheiras”.

Olá rapaziada!!! Está tudo em forma? Barrigas para dentro e peito para fora…..

Sabem que eu estou mais pesado? Tenho uma balança de terceira geração que, quando me ponho em cima, ela diz “ Por favor um só de cada vez”.

Faço votos que este convívio seja agradável para todos e que se venha a repetir por muitos e bons anos pois será sinal de que continuaremos por cá pelo menos alguns.

A maioria de nós já é sexagenário. Safa que palavrão……..

Já sofremos da doença das mãos grandes…

Sabem que um “rapaz” da nossa idade foi ao médico. Disse que se sentia fraco e com falta de apetite. O médico auscultou-o e estava a receitar-lhe umas vitaminas para arrebitar quando o homem lhe colocou a seguinte questão: Óh Sr. Doutor eu gostava que me explicasse porque é que as minhas mãos estão a crescer. O médico muito surpreso perguntou-lhe porque afirmava que as mãos estavam a crescer, ao que o velho respondeu:

Óh Sr. Dr. Quando eu tinha vinte anos agarrava no pénis e ele ficava dez centímetros de fora e agora eu agarro nele e já não vejo nada.

Ora bem! Sejamos honestos. Será que é mesmo assim….

Não vos vou incomodar mais…

É sempre um prazer enorme convivermos com pessoas que, numa idade bastante jovem, coabitamos durante mais de dois anos onde, perante os perigos e as dificuldades, a generosidade e a solidariedade eram praticadas diariamente.

Permitam-me que apresente um abraço apertado ao Sargento Castro, que no ano anterior, quando me desloquei com o Santa Clara a Vizela, foi ter comigo para me dar um dos seus apertados abraços.

Desejo-vos a todos a continuação de um saudável convívio prometendo que para o ano havemos de aí estar convosco.

Os nossos votos de um bom regresso às vossas casas e de muita saúde para todos.

Obrigado pelo tempo que vos roubei.

Miguel Simas