domingo, 30 de novembro de 2014

Mensagem do Mota - "Aconteceu há 42 anos"

Da nossa chegada à Beira recordo três pontos que nunca esquecerei:
  
  1.º A visita à cervejaria em que com uma caneca da dita (cerveja ) era logo servido de um pires (prato) de camarão - que boa recepção.
  2.º Aí encontrei o meu amigo de carteira da escola FONTES PEREIRA DE MELO, Porto, de seu nome GRANJA que já não via desde o fim de curso, e que ia a caminho de Timor.
  3.º Quando estamos naquela residência para sargentos à beira do Índico e vemos um gato a correr atrás de um cão e em seguida vamos atravessar a estrada e olhamos para a direita, e os carros vem pela esquerda comentámos “nesta terra é tudo ao contrário, pelo que temos de estar de olho aberto.”
     E assim foi naqueles dois longos anos que passámos nas belas terras de Moçambique, sempre de olho aberto para beber mais uma cerveja, comer alguns camarões à espera do dia de regresso.

                     Um abraço a toda a família da C.CAÇ 4242 

sábado, 22 de novembro de 2014

Operação Mucossola - RELATÓRIO DO SIMAS

Caro amigo Almeida.
Antes de mais felicito-te pela tua persistência no construir o nosso Blogue (CCAÇ.4242), e também na paciência que tens em nos aturar a todos.
Li no nosso Blogue a transcrição da operação acima referenciada que, provavelmente, consta no Relatório da C. Caç. 4242.
Infelizmente não corresponde minimamente à verdade.
No dia 20 de setembro, o 1ª Pelotão iniciou uma operação de segurança à população do Munheere que, fustigada pela Frelimo, ameaçara abandonar a aldeia.
No dia seguinte, de manhã, um civil de ginga e muito ofegante, trouxe a notícia de que passara um grupo da Frelimo junto `à aldeia de Mucossola e que tinham dado um tiro na barriga de um civil capturado por eles para servir como carregador e que fugira.
Dividi o grupo de combate em dois, deixei um Cabo a comandar os que ficaram e parti com nove elementos, incluindo o José João de transmissões e julgo que o Cabo Figueiredo como enfermeiro.
Chegados a Mucossola verificamos o civil ferido que estava com as vísceras de fora. O enfermeiro pôs-lhe gaze e fez-lhe uma ligadura enquanto comunicávamos com o Tabefe a solicitar evacuação de helicóptero. Surgiram vários elementos da população armados de mauser e, ao dizer-lhes que iriam connosco atrás dos turras começaram a descartar-se ora dizendo que tinham dores no cabeço ora na barriga.
Mandei-os formar, dei-lhes uma sarabanda, deixei o Figueiredo e um soldado que já não me recordo quem, a coordenarem aquela gente, para improvisar um heliporto e manter segurança ao helicóptero.
Os restantes sete iniciaram a perseguição ao grupo IN, que se dirigia ao monte Mcongo, eu próprio, o Cruz (com um morteiro 60), o Lamego e o José João com o Racal, mais três soldados africanos de que me recordo do nome de dois: o Assane e o Rufino Amanse.
Estivemos debaixo de fogo das 13H00 às 13H20. Atiramos morteiradas, mas como cada um normalmente só levava uma granada, nunca poderiam ter sido dez.
Quando debandaram saímos da zona de fogo rastejando à retaguarda. Mandei o João José montar o Racal que, por não querer subir às arvores para dispor a antena pagou ao Assane para o fazer.
Falei com o Alferes Roxo que me disse ter poucos efetivos e que me deu ordens para que regressássemos.
Íamos nós regressar ao Quartel e dizer que tínhamos tido uma emboscada de 20 minutos e não ter nada que o provasse? Isso é que era bom. Avançamos em linha e capturamos o material que está referenciado e que demonstra que os sete vieram bem carregados.
Reconheço as dificuldades que possam ter os historiadores mas… tenham paciência.
No caso concreto não consegui levar nenhum guarda rural, nem mesmo dizendo-lhes junto ao ferido, que mais tarde viemos a saber ter morrido a bordo do helicóptero, que os turras tinham ferido seu irmão e que precisavam de ter castigo. Nem um para amostra.
Desculpem-me mas esta já vai longa.
Um abraço do Simas e, se algum dos referenciados puder dar uma ajuda eu agradeço antecipadamente.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Os Cus de Judas



“(….) - Se fosse, dava-lhe um tiro nos tomates. O burocrata idoso que seguia à minha frente voltou-se para trás assarapantado, uma senhora disse para outra Chegam todos assim lá de África, coitadinhos, e eu senti que me olhavam como se olham os aleijados que rastejam de muletas nas cercanias do Hospital Militar, sapos coxos fabricados pela estupidez do Estado Novo, que ao fim da tarde, no Verão, escondiam os cotos envergonhados nas mangas das camisolas, pombos doentes pousados nos bancos do Jardim da Estrela, ou misturando-se com as prostitutas que na Rua Artilharia Um roçam as ancas ossudas pelos Mercedes a diesel de construtores civis de fósforo nos dentes, a suarem de cio sob os chapéus tiroleses. (…)”
António Lobo Antunes, Os Cus de Judas, Pag. 103, Publicações Dom Quixote