quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Mensagem do Simas - de Lissiete a Namicoio Velho

Caros Companheiros de Armas.
Como sabemos foi produzida uma História da CCAÇ 4242, relatando algumas operações e acontecimentos ocorridos durante a nossa expedição Militar em Moçambique, entre Novembro de 1972 e Novembro de 1974, muito espartilhada e mais de acordo com os preceitos e regras militares de então do que com a verdadeira realidade dos acontecimentos.
Tínhamos que parecer bons soldadinhos a fim de evitar-se um castigo que seria eventualmente a nossa transferência para uma zona mais “quente” naquele teatro de guerra.
Vem isto a propósito de um extracto do relatório da acção da Lissiete a Namicoio, publicada pelo nosso incansável director Almeida Psicola na página da nossa Companhia e que, a meu ver, contendo algumas inverdades, para bem da verdade e pelo respeito devido a todos os intervenientes, deverei acrescentar o seguinte:
1 – Tínhamos saído do quartel pelas 05H30 e após quatro horas de trajecto, numa picada que não passavam viaturas há cerca de seis anos, não ia à frente qualquer equipa a fazer a picagem. Na frente da viatura ia o condutor, eu e o Roxo e na caixa, devidamente reforçada com sacos de areia, vinha o resto do 1º Pelotão.
O capim era mais alto que a viatura e os dois trilhos do rodado mal se viam.
A roda traseira do lado direito pisou uma mina anti carro TM 46 de fabrico americano. A jante e a borracha do pneu, reforçada com rede de aço, desapareceram vendo-se apenas algumas fitas que nem davam para fazer umas solas de sandália.
2 – Depois do enorme estrondo os companheiros começaram instintivamente a disparar as armas, ao que julgo, sem saberem para onde.
O pessoal que se encontrava operacional montou a segurança e prestou assistência aos mais abalados, que foram mais do foro psicológico e da coluna. Recordo-me que o soldado “Checa”, natural de Sintra, ficou bastante abalado pois que não reagiam ao que se passava à sua volta.
Ao Racal, o já falecido Fevereiro, fartava-se de chamar o Tabefe para anunciar o rebentamento de uma MIKE na PAPÁ mas, … nada. Então ele informa que o rádio, que apresentava uma grande amolgadela, não funcionava porque tinha eventualmente o cristal de frequência partido.
O Comandante do grupo deu-me então ordens para eu regressar a pé até à Companhia trazer a notícia e pedir auxílio. Insurgi-me dizendo que seria perigosíssimo pois que, estando a nossa presença denunciada, correríamos o risco de facilmente sermos apanhados à mão pelo IN.
Perante a insistência da ordem disse que só viria com uma secção o que me foi recusado, atendendo à necessidade de manter segurança à viatura, tendo-me sido permitido apenas vir com mais dois elementos.
Verificando-se a ausência de voluntários escolhi, se a memória não me falha, o cabo Polido e o soldado Lamego que, com alguma renitência aceitaram a missão.
3 –O regresso dos três ao quartel iniciou-se cerca do meio dia só com as G3 e sem qualquer meio de comunicação.
Estava a anoitecer, talvez cerca das 19H00, e estávamos a chegar ao aldeamento da Lissiete, quando nos deparamos com a vinda de uma Berliet do destacamento de Belém pois  que as nossas estavam avariadas.
4 -  Aí tomamos conhecimento que o Fevereiro conseguira falar para uma Companhia de Cabo Delgado que recebendo a mensagem a retransmitiu para a CCAÇ 4242, informando também que haviam três malucos a caminhar a pé, em direcção ao quartel o que, sendo noite, minimizou os riscos da aproximação à viatura.
5 – Confrontados com a solicitação de informação de como chegar à viatura acidentada e sem qualquer resposta possível não só pela altura do capim mas também por ser noite, por sinal bastante escura, e também por uma questão de solidariedade para com os companheiros que lá estavam, subimos para a viatura, Deus sabe com que forças, para regressarmos ao local do acidente.
6 – Lá chegados a Berliet de Belém fez a inversão de marcha, carregaram-se os feridos e o pessoal restante do 1º pelotão de regresso ao quartel tendo ficado o grupo de Belém a manter a segurança à viatura que demorou, por falta de peças, dois ou até mesmo três dias a ser reparada no local.
Tratava-se de um sítio muito isolado e, com o vai e vem de viaturas e de pessoas, a Frelimo, se quisesse e ou pudesse, poderia ter provocado danos muito maiores que, felizmente, não aconteceram.
Aqui fica este pobre mas sentido depoimento de quem viveu muitos momentos da referida operação e que, no fundo, pretende apenas fazer justiça a todos os que nela participaram mormente ao Cabo Polido e ao soldado Lamego pela coragem demonstrada.
Como poderão verificar qualquer semelhança desta crónica com o relato oficial é pura coincidência.