sábado, 17 de fevereiro de 2007

Lucas desapareceu

LUCAS DESAPARECEU

Setembro de 1970. António Borges está de partida, a sua guerra acaba hoje. Deixa a G3, que trata por namorada, as suas lágrimas e dois anos da sua juventude no Norte de Moçambique. Sorri. Não está triste por ir embora, mas sabe que no dia mais aguardado da comissão há algo que não leva consigo. Um amigo chamado LUCAS que ensinou a ser mecânico. “Gostava de encontrar esse homem”, garante, outra vez em Moçambique, mas a trinta anos de distância. Irrecuperáveis.
Em nome de uma amizade que não esquece, é dos primeiros a acordar numa pensão da beira da estrada na antiga VILA CABRAL. Em minutos está a caminho de MANDIMBA à procura do passado, horas depois regressa a Lichinga. E ao presente.
O cabelo branco tem um tom avermelhado, o cansaço vem à mostra no olhar. Traz as marcas do pó da picada e de um reencontro falhado. “Não o encontrei”, atira, apressado, antes de desaparecer pelo corredor estreito e escuro que conduz ao quarto.
Quem é LUCAS? “Um rapaz que ficava no quartel, em MANDIMBA, no NIASSA. As mulheres perguntavam-me se o LUCAS já sabia lidar com os automóveis. Eu dizia que sim, que ele ia ser um grande mecânico. Elas ficavam contentes…Ele queria ir connosco para a Metrópole…Mas não foi possível.” Alguém ainda sugeriu que viajasse escondido num caixote, só com uma abertura para a comida. “Não, ele ficou.”
António Borges, ao contrário, partiu em Setembro de 1970. O seu irmão chegou três anos depois ao mesmo país. “Já quase em 1973, veio o meu irmão, precisamente para o mesmo sítio e encontra-se com o LUCAS. Pelo nome ele veio buscar-me. O rapaz estava a cumprir o serviço militar português em NOVA FREIXO. O meu irmão também era mecânico e eles conheceram-se. “NOVA FREIXO, que hoje se chama Cuamba, continua a ser a cerca 150 quilómetros de MANDIMBA, na província do NIASSA. De Lucas, nem sinal. (…)

“Moçambique – O regresso dos soldados”
Ricardo Marques, jornalista do Correio da Manhã
Edições D. Quixote, 2005

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