A maré legislativa repressiva do Estado Novo culminou numa lei de 1936 que mandava os funcionários públicos assinar uma declaração de repúdio ao Comunismo, medida que abrangia também os professores primários. Estes iriam ser objecto de interferências na sua vida pessoal e profissional. Foram desta época as mais duras imposições do regime, na área do ensino e educação, como sejam a criação da Mocidade Portuguesa, o famigerado exame da 3ª classe e o encerramento das Escolas do Magistério.
Outra determinação oficial de Novembro de 1936 proibia as professoras primárias de casar sem autorização do Ministro da Educação. Segundo Salvado Sampaio, 1976:41 (vol. II), “…nega-se às professoras a livre escolha do cônjuge. (…). A negação da liberdade da escolha do cônjuge não nos parece conciliável com a usufruição da maturidade necessária ao exercício da docência. A aplicação deste preceito implica situações dolorosas.”
O mesmo decreto estabelece ainda que “Será demitido o funcionário pertencente aos serviços do ensino primário que dê escândalo público permanente ou assuma atitude contrária à ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933”.
Salazar advertira: “Eu tenho os olhos abertos e pulso firme”. O Ministro da Educação afirma em 1937: “De ora em diante não haverá nas escolas portuguesas nem um professor nem um aluno comunista.”
A Escola Portuguesa - semanário oficial do Estado Novo – Direcção Geral do Ensino Primário (DGEP), criada em Outubro de 1934, começou a publicar semanalmente lições-modelo e instruções destinadas aos professores. Esta revista era distribuída a todas as escolas e caracterizava-se pelo combate à escola neutra do ponto de vista religioso e ideológico. “Acaso tu, leitor, és daqueles que contemplam a renovação da Escola como obra dos teus anseios? (…) Julgas-te cooperador dos teus superiores, dos teus dirigentes, na Revolução Nacional? Nesse caso não serás do reviralho. Mas (…) se te seduzem outras vozes que não sejam as daqueles a quem está confiado o dever de te guiarem; (…) se desejarias poder ensinar o que quisesses e como quisesses; (…) nesse caso, dir-te-ei que não és dos nossos, ainda mesmo que fales do 28 de Maio ou cantes hossanas a Salazar”.
As autoridades escolares reprovavam “a exibição escandalosa de pinturas faciais” às professoras primárias. Estas viram os seus dois meses de baixa por maternidade reduzidos para 23 dias (8 antes e 15 depois do parto). Assegurar o bem-estar social não pertencia às funções do Estado, segundo a ortodoxia salazarista.
O controlo sobre o que vestem, o que pensam, com quem convivem os professores é o culminar de uma interferência profunda nos conteúdos ideológicos do ensino primário. Contraditórias eram as chamadas de atenção do Ministro da Educação para aspectos tão pessoais quanto a compostura e trajes das professoras: “Não são autorizadas pinturas algumas às professoras, designadamente às que, pelo convívio com as futuras professoras, devem servir-lhes de modelo” .
A ideologia substitui radicalmente a pedagogia.
A vida dos professores primários tornou-se cada vez mais difícil. Os ordenados eram baixos, os benefícios de natureza social praticamente não existiam. Os deveres sim. Os professores primários foram compelidos por lei a desempenhar graciosamente duas funções: as de juiz de paz e de secretário da junta de Freguesia.
O Estado Novo repetidamente avisava os professores de que não lhes cabia regenerar o Mundo, mas apenas manter a disciplina na Escola, ensinar a boa moral e ajudar o Estado Novo.
Artigo da autoria do director deste blogue
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