domingo, 2 de novembro de 2008

EPISÓDIOS DA MINHA MISSÃO EM ÁFRICA

EPISÓDIOS DA MINHA MISSÃO EM ÁFRICA É o título do livro escrito por D. Eurico Dias Nogueira, Arcebispo Primaz, primeiro Bispo de Vila Cabral (1964-72), segundo e último de Sá da Bandeira (1972-77).
Iniciou as suas funções como 1º Bispo de Vila Cabral em 06/09/1964. A última parte do trajecto em direcção a terras do Niassa foi feito de comboio desde Nampula até ao Catur, uma viagem de 600 km, interminável, como explica D. Eurico na pag. 17.
D. Eurico Dias Nogueira teve muitos contactos com dirigentes da Frelimo, nomeadamente com Sebastião Mabote, na altura Comandante da base geral do Catur e, após a independência, vice-ministro da Defesa e Chefe do Estado Maior das Forças Armadas de Moçambique.
Relata D. Eurico na pág. 48 que “um chefe guerrilheiro enviara um bilhete a um cantineiro-agricultor dos arredores, combinando um encontro e pedindo para se fazer acompanhar de um conhecido e muito popular Chefe de serviços e também do Bispo, ou seu representante.”
Num assalto de comandos a uma base da Frelimo, na província do Niassa (pág. 49) foram encontrados documentos, entre eles uma carta dirigida a um tal “BX”, que a PIDE tinha a certeza tratar-se de D. Eurico. Nessa carta pedia-se novo encontro com as referidas duas pessoas e o Bispo, ou seu delegado.
A pide investigou esta carta, através de destacado terrorista da Frelimo, Subchefe da Zona B, distrito de Mandimba.
Não se sabe os meios que a Pide utilizou para obter estas informações: “O Bispo vem mantendo contactos directos com dirigentes da Frelimo desde 1966.”
É provável que a carta a que nos referimos seja a que D. Eurico publicou nas pp. 81 e 82 do seu livro, valendo a pena citar na íntegra: “Senhor Bispo de Vila Cabral, desde há tempos que desejo ter uma conversa pacífica com você. Mas não tenho conseguido porque a tropa fascista, colonialista e imperialista de Salazar não me permite tranquilidade nessa sua área. Mas se você indicar uma base de segurança, eu enviarei um emissário para combinar o encontro. Entretanto, para prova do seu espírito internacionalista, mande pelo portador um garrafão de cinco litros de vinho, para festejarmos o próximo aniversário do início da nossa luta.
Independência ou morte venceremos.
O Comandante da base geral do Catur,
Sebastião Mabote.
Em Moçambique, o bispo teve a preocupação de criar um bom entendimento com as comunidades muçulmanas, dominantes na região.
A chegada do novo bispo a Vila Cabral começou com um conflito com as autoridades. Como ele conta no livro Episódios da Minha Missão em África, o governador local mandou chamar o novo bispo, mal ele chegou à cidade. Mas D. Eurico negou deslocar-se ao gabinete do governador: “É aqui, nesta modesta habitação, que espero ter a honra de receber o senhor governador”, respondeu ele ao emissário.
O episódio foi um entre vários incidentes com as autoridades coloniais, que lhe valeram a acusação de ser comunista – quem não era a favor do regime, era comunista, como o próprio Bispo recordava a propósito dessas acusações. O Bispo avisava que não estava em Vila Cabral para “tomar café com os ‘grandes da terra’ e chá com as respectivas esposas”.
D. Eurico queixava-se da sistemática violação da correspondência, apercebendo-se que as suas cartas, via postal, tanto as expedidas como as recebidas eram violadas pelos agentes da Pide
O Bispo de Vila Cabral também tinha medos. Numa viagem de táxi aéreo para Mandimba, junto ao Malawi, ao aterrar, já a baixa altitude, “sentimos forte estremeção, que julguei ser causado por um golpe de vento. Em terra verificámos que houvera o impacto de um projéctil, furando uma asa”.

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