Ao aceder novamente ao blogue da C.CAÇ.4242, lembrei-me de um trabalho que tenho na minha posse, o qual foi feito durante a nossa estadia em Mandimba. Este trabalho é baseado nuns versos que passo a enviar por anexo.
São versos que diz respeito à saída do Continente para Moçambique e o relato de alguma coisa que se fez durante aqueles dois anos.
Era para apresentá-los no nosso almoço em Nisa, mas não o fiz por esquecimento. Envio agora se há possibilidades de serem introduzidos no Blog da CCAÇ4242.
Eles foram escritos com a máquina de escrever que estava na secretaria, mas passei-os depois por computador
Ainda tenho na minha posse os originais para recordação.
Um abraçoJoaquim Capelas
Dois anos de tropa em Mandimba, 1972/1974
C. CAÇ 42 42 - Moçambique
1
Vou falar de tropa
Isso fez parte da minha vida
Há três meses que me encontrava
À espera da minha partida
2
De Santa Margarida eu saí
Com destino ao Ultramar
Meu coração ia triste
Só tinha vontade de chorar
3
Cheguei a Moçambique
À Beira eu cheguei
Tantos negros desgraçados eu vi
Até com dó eu fiquei
4
Conheci a cidade da Beira
Já com alguma emoção
Mas vi ainda tanta coisa má
Que até metia aflição
5
Falando do quartel
Aquilo era apenas um dormitório
Tinha vontade de comer
Mas tinha nojo do refeitório
6
Quanto à alimentação
Pois disso não tenho inveja
Porque o sustento dos primeiros dias
Eram bananas e cerveja
7
Na Beira eu permaneci
Até chegar a minha hora
Pouco tempo me faltava
Para andar pelo mato fora
8
Logo que entrei no mato
Aquilo era mesmo para desanimar
Pior coisa não podia haver
Na vida do Ultramar
9
Muitos negros eu encontrava
A maioria eram velhotas
Muitos quilómetros percorri
Para só encontrar palhotas
10
Quilómetros eu percorria
Palhotas encontrava ainda
O meu destino foi chegar
À povoação chamada Mandimba
11
A Mandimba eu cheguei
Já com mais emoção
Mas verificava ainda
Que ia viver dois anos de solidão
12
E lá se foi passando o tempo
Com alegria e tristeza
Mas como soldados guerreiros
Lutavamos sempre com firmeza
13
Mandimba davamos mais alegria
Só com os cães a ladrar
Queriamos jogar futebol
Não havia água para nos lavar
14
Falando de água
Tudo prendia pelo mesmo fio
Queriamos tomar banho
Tinha-mos que ir ao rio
15
Dia sete de Setembro
Houve uma grande revolução
Pôs a malta de Moçambique
Todas com as armas na mão
16
Mandimba tão inocente
Terra tão mal habitada
Houve uma revolução em L. Marques
E não sabiamos de nada
17
Mandimba terra tão triste
Que nunca pensei de a conhecer
Com tanto tristeza que se vê
Nem dá gosto de cá viver
18
Trabalho não faltava
Tudo isto era muito chato
Era apenas dois de quartel
E seis dias de mato
19
Aramistas e operacionais
Éramos todos unidos
Contra a força e resistência
Nunca fomos vencidos
20
Ninguém ficava impune
Porque fatalidades aconteceram
Foram soldados valentes
Que em missão faleceram
21
Mas no mato, sempre valentes e firmes
Porque o importante era sobreviver
Quando se grassava ao quartel
Tratava-se logo do nosso lazer
22
No quartel guerrilha não havia
E nem sequer emboscadas
E para nos dar mais alegria
Fazia-se aquelas grandes patuscadas
23
Eram uns grandes petiscos
Fossem eles de porco ou cabrito
Porque quando ia comer ao refeitório
Ficava logo aflito
24
O comandante além de ser valente
Mas também pensava em perigos
Até para nos dar trabalho
Quis fazer abrigos
25
Por incrível que pareça
Os abrigos não serviram para nada
Mas se nos negasse a fazê-los
Levamos logo uma porrada
26
Levamos logo uma porrada
Fosse ela com chicote ou por escrito
A sua palavra era uma ordem
E tudo que dizia está dito, está dito
27
Mandava-nos trabalhar
Não havia força para resistir
Quando olhava para a comida
Só dava vontade de fugir
28
De tanta tristeza que aqui houve
Até magoa o meu coração
Não vale a pena pensar
Nestes dois anos de solidão
29
Vai para dois anos que estou em Mandimba
Foi um tempo que perdi de mocidade
Para mim Mandimba acabou
Chegou a minha liberdade
30
Encontro-me no mês de Outubro
Mês que só se come xima
Estou a dizer adeus à tropa
E digo adeus a Mandimba
31
Outubro que já passou
Foi um mês já com mais emoção
Poucos dias me faltam
Para alegrar o meu coração
33
Estou a chegar ao mês de Novembro
Mês da minha peluda
Digo adeus a esta terra
E aos manchambeiros que nos saúda
34
Novembro está a chegar ao fim
Alguns dias que ainda falta
Digo adeus a Mandimba
E a toda esta malta
35
A minha estadia em Mandimba
Foi conhecer de tudo um pouco
Se fosse falar mais
Ainda ficaria louco
36
A respeito destas coisas
Nada interessa a ninguém
O interesse que eu tenho
É brevemente abraçar minha mãe
37
Para finalizar
Aqui ponho a minha assinatura
E como amigo te digo
Não venhas para cá criatura
Moçambique
Quartel em Mandimba, 17 de Outubro de 1974
Joaquim Nogueira Capelas
1 comentário:
Á grande Capelas gostei
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