"Era noite. E a noite sempre esteve ligada às más notícias. Todos os grupos de combate se encontravam no quartel. Os soldados tomavam um banho para retirar o suor de quatro dias. Alguns procuravam lavar da memória a triste cena do furriel e dos dois soldados a irem pelos ares no rebentamento das minas anti pessoais. Depois, a caírem, num berro, a olharem para a perna que ficava longe. Depois, estendidos no chão, gritavam com dores e apalpavam a perna que momentos antes os fazia andar. Depois um deles a dizer que o matassem, pois as dores eram enormes. Depois, o outro soldado a chamar pela mulher. Depois, o furriel, muito calmo, de olhos para o local da perna que já não tinha.
E esses soldados misturavam o sabão e a água às suas lágrimas. E esses soldados esfregavam muito bem as suas pernas como se certificassem que ainda se encontravam sobre os dois pés.
A água, o sabão e as lágrimas nunca restituíram as pernas que tinham ficado para os animais comerem.
A Força Aérea, que fora fazer a evacuação, respondera que já não eram precisas [as pernas] e não as transportou."
“Cancela Tropa - O Uivo da DGS” – História da autoria de um militar da C. Caç. 4242 - Mandimba